Cinquenta anos depois, o que resta?

A aldeia de Caprera (Sardenha) – Parte 2

O segurança — porque, obviamente, era um — era um jovem, vestindo calça jeans preta e aquela camisa com o logotipo "VIGILPOL", provavelmente o único acessório que seu empregador lhe dera. Não havia cintos imponentes com lanternas, walkie-talkies ou mesmo gás lacrimogêneo, nem boné, e até mesmo o carro estava o mais desmarcado possível. Além disso, se ele protestava contra minha presença nesses lugares, não parecia agressivo, mas, ao contrário, educado, acumulando meu desgosto ("Desculpe").

Tendo julgado inofensivo, acomodei-me em meu papel: simpático, sorridente, jovial, fingindo não entender nada de italiano e explicando, meio em francês, meio em inglês, que eu era um antigo membro do Clube, que tinha voltado ali por acaso, que queria rever o lugar, que não havia nenhuma barreira proibindo o acesso pela praia, que não tinha visto nenhuma placa de proibição (que eu verificaria mais tarde serem, na verdade, muito discretas, até mesmo inexistentes), etc., etc.

 "E você acabou de chegar?" ele me perguntou.

 “Não faz nem cinco minutos!” respondi, entendendo imediatamente em que direção ele pretendia ir.

"E você não tirou nenhuma foto?" ele continuou, apontando para minha câmera.

 — Não! Mal cheguei! — respondi com uma boa-fé desarmante.

Enquanto isso, ele me pediu, educadamente, mas com firmeza, que voltasse à praia e seguisse o mesmo caminho. Apontou vagamente na direção da trilha que, contornando a vila, dava acesso público à Cala Garibaldi e à casa dos nativos (guardiões?) construída quase na praia (um sonho de verão, certamente nada alegre no inverno!).

Furioso por ter sido pego de surpresa como uma criança, furioso por ter deixado meu carro à vista de todos em frente ao portão antes mesmo de verificar as possibilidades de acesso à praia, recuei humildemente, sempre com um grande sorriso e acenando em despedida. Assim, foi sob boa vigilância que finalmente cheguei à praia, atravessando o local onde, em algumas fotos, eu havia visto uma barreira laranja, mas sem encontrar o menor vestígio dela sob meus pés.

Na praia, caminhei um pouco (tive que bancar o "descobridor" com convicção), absorvendo com um olhar comovido aquele lugar que me era tão familiar e, de repente, tão inacessível, já que agora havia um segurança! Eu estava frustrado, muito infeliz, e não conseguia nem demonstrar.

Club Bay, com suas duas ilhotas e, à esquerda, a cabana de vela.
Nada mudou!!

Eu esperava que houvesse barreiras; mas não havia. Mas um segurança era outra história! Decepcionado, voltei pela trilha arenosa, pedregosa e irregular que levava da praia à estrada. A primeira coisa a fazer era pegar o carro e pensar na situação, e para isso eu tinha um bom quilômetro pela frente; era melhor ir logo, já que não havia mais nada a fazer ali no momento, e eu tinha que continuar ostensivamente desempenhando o papel do visitante devidamente repreendido que sai com o rabo entre as pernas. Meu segurança, aliás, não tirou os olhos de mim, mas logo desapareci de sua vista.

Esta curta caminhada pela matagal sarda, que estava perfumada nesta manhã de primavera, me deu a oportunidade de tirar algumas fotos de um biótopo visivelmente muito mais rico e diverso do que se poderia perceber no auge do verão, quando o calor esmaga tudo.

Um vislumbre do “maquis” da Sardenha

Cheguei ao carro. Não havia sofrido nenhum dano, mas certamente foi sua presença que chamou a atenção do segurança. Talvez ele tivesse simplesmente feito uma ronda de rotina até o portão e, ao encontrar um veículo "não local" estacionado atrás de um arbusto, tivesse sido incentivado a dar uma volta pela vila, só por precaução!? E eu, que estava sonhando acordada sob o sol no meio do que antes era o restaurante, fui pega como um pato sentado de costas!

Para me dar tempo de refletir sobre a situação, fui para o sul da ilha, em direção a Due Mari e Cala Andreana, que eu também planejava fotografar. No entanto, essas praias magníficas pareciam, para minha surpresa, completamente cobertas por essas pequenas plantas marinhas secas que o Mediterrâneo traz para a costa e, portanto, sem muito interesse fotográfico. Então, aqui também, antes da temporada, foi necessário limpar as praias do que a natureza trouxe durante o inverno! Eu nunca tinha visto isso, tendo conhecido essas praias apenas no verão, ao contrário das praias bretãs, que frequento em todas as estações e cujos rostos conheço completamente.

No final dessas marchas e contramarchas, eram 13h30. Os italianos deviam estar almoçando. Eu não tinha visto muita gente desde a manhã, mas agora estava realmente sozinho. Era agora ou nunca. Amanhã, eu partiria para Oristano, onde meu hotel estava reservado. Era impossível ficar mais tempo, e igualmente impossível partir sem ter retomado meus passos de adulto e meus passos de adolescente, sem ter visto de perto a cabana à vela, o cais, o bar, a pista de dança, enfim, todos os lugares onde pulsava o coração da vila.

Aconteça o que acontecer, afinal, eles não iam me prender, iam? Para começar, eu podia caminhar à beira-mar, um direito garantido por lei, certamente, tanto na Itália quanto na França?

Então, voltei, determinado. Desta vez, peguei a trilha que levava à Cala Garibaldi e, ao me aproximar da praia e da casa nela (que era bastante habitada), demonstrei a cautela de uma cobra, escondendo o Peugeot em um caminho lateral, na direção certa para uma saída rápida se necessário, saindo sem bater a porta, preparando o equipamento fotográfico com antecedência para estar pronto para fotografar instantaneamente. Em seguida, fui até a praia por um caminho indireto, passando o máximo possível fora da vista da casa, certificando-me de que ninguém me tivesse visto e aguardando vários minutos examinando o pinhal, escondido atrás de uma rocha, antes de avançar para o campo aberto.

Pessoa.

Tomando cuidado para ficar perto da água, para que ninguém suspeitasse que eu estivesse querendo entrar em uma propriedade privada, avancei em direção ao pequeno píer. O que antes era a cabana de mergulho estava em um estado lamentável, cercado por lixo trazido pelo mar e exalando um odor desagradável.

A caixa de mergulho

A subida até o bar estava bloqueada por uma cerca baixa e uma placa que dizia " Proprietà privata ". Nada seria mais fácil do que escalá-la quando chegasse a hora. No entanto, continuei seguindo o mar em direção à cabana de vela.

Eu estava realmente entrando no que um dia fora meu feudo. Caminhei lentamente ao longo do cais onde, antigamente, se alinhavam os berços de amarras nos quais os botes eram carregados após cada saída, e os planos inclinados de concreto que eram usados ​​para lançá-los. Alguns dos dormentes de madeira que permitiam que fossem colocados no cimento sem danificar os cascos ainda estavam lá, mas a maioria havia desaparecido.

Acima de tudo, o cais estava completamente vazio, desolado, com uma largura haussmanniana, agora que não havia barcos atracados. A água conservava aquela transparência perfeita que permitia avistar ouriços-do-mar e evitar pisá-los, e, como em todos os lugares, o silêncio pesava como um manto de chumbo.

No meio do cais, uma escada dava acesso às cabanas que se espalhavam ao longo dessa espécie de promontório, ao fundo do qual o cais serpenteava. Essa escada estava bloqueada e parecia estar em mau estado. No entanto, na pior das hipóteses, ela proporcionaria fácil acesso ao restante da vila.

Finalmente cheguei à cabana de vela, que, como a maioria das construções sólidas da vila, parecia particularmente deteriorada, tanto que sua fachada estava escorada em toda a sua extensão para evitar um desabamento iminente. A escada que levava ao terraço, onde, outrora, abrigado pelos juncos, eu passara tantos momentos felizes sonhando com minhas futuras viagens por todos os mares do globo, estava tão desgastada pelos anos e pela ferrugem que não ousei me aventurar lá.

A caixa de vela

Contemplar a decrepitude, e já quase a ruína, daquele lugar que fora para mim, primeiro uma Meca quase inatingível, depois um refúgio familiar onde eu tanto aprendera e vivenciara, foi um momento doloroso. Por que esta vila tinha que morrer? Por que os turistas não sabiam mais se contentar com o que uma simples vila de cabanas podia oferecer?

Imagino que parte da resposta eu tinha dentro de mim, pois escolhi, quando cheguei a La Maddalena, ficar no Hotel Excelsior, que ostentava com orgulho suas quatro estrelas!

No entanto, quando coloquei a mão na mesma meia porta de madeira pintada de branco na qual, há quase 50 anos, me encostei para distribuir as bolsas de vela aos GMs, furtivamente esmaguei uma lágrima de nostalgia, porque esse passado também estava, e por muito tempo, para sempre.

Fui até o fim do píer, onde algumas novidades haviam sido feitas desde a minha época. O abandono, e logo a morte, sem dúvida, reinava. Retornei lentamente, pela água cuja transparência cristalina parecia imutável, fresca como no primeiro dia, como no alvorecer da humanidade. O postigo que eu costumava abrir quando criança tinha uma abertura estreita por onde eu deslizava minha lente, girando um flash. Eu não podia entrar na cabana de vela, que estava firmemente fechada: nada de arrombamento, a menos que absolutamente necessário, esse é o meu princípio; pelo menos trouxe de volta uma imagem que, embora fosse obscura e não merecesse ser incluída aqui, me fez rever e reviver os momentos passados, como se fosse ontem: o padrão impresso no cimento do chão, a maneira como as paredes eram pintadas, seus recessos, até mesmo um pedaço de linha de recife, uma Caravelle ou outra, que ainda estava no chão, esquecida ali desde 2007, mas que já poderia estar lá, no final do verão de 1968!

Caprera 1968: o autor com o filhote do caique Cucciolo (cachorrinho em italiano)

Caprera 1968: Jacky, o apresentador, nos braços de Czopp, chefe de esportes

Caprera 68, apresentação GO: meu amigo Røden-Pascoli é o homem alto e de barba ruiva ao fundo, à direita da loira de cabelos compridos

Com o coração pesado, fechei silenciosamente a porta do meu passado e voltei para o pé da rampa que levava ao bar. Hesitei por um momento, olhei ao redor, então me decidi e rapidamente pulei a cerca frágil. Ali também, tudo estava envelhecido, enferrujado, corroído e à beira da decomposição mineral e metálica.

As escadas que levam ao terraço do bar

Poucos momentos depois, cheguei ao terraço com vista para a baía, um mirante magnífico, selvagem e tranquilo, aberto a todos, com uma xícara de café ou um copo de grappa na mão.

Caprera 1981: o autor na aldeia em GM

O banco de madeira envernizada que corria ao longo do corrimão, e no qual minha mãe havia me fotografado, havia desaparecido, mas, tirando isso, nada havia mudado. Tudo estava caindo aos pedaços, só isso.

Voltei-me para o bar, ainda reconhecível por seus suportes para garrafas com painéis de madeira, mas que também ameaçava desabar, oferecendo um espetáculo bastante melancólico. Um grande saco de lixo de plástico transparente jazia em um canto, abandonado ali desde o fechamento do bar, oito anos antes.

Compare esta foto com a abaixo: entre elas, 47 anos

 Caprera 1968

Dei mais alguns passos. Diante dos meus olhos estendiam-se, lá embaixo, o anfiteatro, a pista de dança, o palco da orquestra, o palco onde milhares de espetáculos haviam sido apresentados diante de centenas de milhares de mestres de cerimônias, enfim, o lugar onde, todas as noites e ao longo de todos esses anos e décadas, o coração da vila batia! Mas esse coração havia parado de bater há muito tempo, e eu não conseguia mais ouvir, das profundezas das minhas memórias de infância, nada além dos ecos quase apagados dos aplausos, das canções e das tiradas cômicas que divertiam e comoviam jovens e velhos durante suas maravilhosas férias!

Não havia nada ali além de fantasmas, cujos contornos difusos eu conseguia discernir movendo-se no palco, atrás dos instrumentos da orquestra, nas arquibancadas! Esses fantasmas tocavam, cantavam e batiam palmas, mas era apenas na minha cabeça, pois, na verdade, reinava um silêncio absoluto ali, ainda mais opressivo do que em outros lugares, porque era ali que havia mais alegria, exuberância, prazer em estar juntos, despreocupação com o amanhã.

Tudo isso havia desaparecido para sempre na névoa do tempo. Eu conseguia me lembrar, mas nada mais.

A entrada do complexo de entretenimento foi destruída por vândalos que certamente não encontraram nada lá dentro que valesse a pena arrombar a porta!

 

Notei também que, ao longo dos anos, um certo trabalho havia sido feito ali. Além dos efeitos previsíveis daquela invenção maravilhosa, o princípio da precaução, que fizera com que grades surgissem aqui e ali, telhados de junco foram adicionados onde antes a sombra dos pinheiros era suficiente, e áreas de armazenamento fechadas foram construídas, provavelmente para os cenários da animação, que era muito apertada dentro de suas paredes originais, eu me lembrava.

Continuando meu caminho para completar o circuito que me levou de volta à floresta de pinheiros, notei, ao lado da cabana das anfitriãs, agora construída em forma sólida, outra construção bastante grande (veja a foto abaixo), com uma espécie de pátio coberto no térreo e um terraço no andar superior. Eu nunca tinha visto essa construção e não conseguia imaginar para que ela poderia ser usada! Talvez alguém que tenha se hospedado em Caprera mais recentemente do que eu possa me esclarecer!

O Edifício Misterioso

Para completar minha visita, segui em direção aos bairros de cabanas localizados além do bar, no promontório da cabana de vela. Esta foi a última área que "habitei" em Caprera.

Não encontrei "minha" cabana lá, por não me lembrar do nome, mas achei, com diversão, "minhas" louças sanitárias. As pias não tinham mais o mesmo formato, mas, tirando isso, tudo parecia terrivelmente parecido.

Voltei então para a praia e, como despedida da aldeia, caminhei até o final do píer, onde, no passado, eu costumava vir brincar com o cachorrinho preto do caique Cucciolo, que fazia as viagens marítimas diárias, exceto nos dias de partidas e chegadas, quando acompanhava o GM de ou para Palau. Neste píer de concreto bruto, nada havia mudado. De lá, a vista abrangia toda a aldeia, as montanhas, o forte onde às vezes íamos passar a noite em bivaque. Eu sabia que tinha que me preencher com essa vista e essas memórias, porque certamente seria a última vez na minha vida que eu viria aqui, e então, como tudo tem um fim, voltei lentamente para a praia.

O cais da vila

A caixa de velas do final do píer

As cabanas de palha do Mini-Clube

Mal havia pisado na praia, em território "autorizado", quando meu amigo segurança, tendo terminado seu delicioso almoço preparado pela mamãe, reapareceu em seu Fiat preto. Dei-lhe um grande sorriso, acenei como um velho amigo que se encontra, como esperado, sempre no mesmo lugar, mostrei-lhe uma seringa velha caída na areia e saí sem olhar para trás, cumprimentando-o no meu melhor italiano, o que o deixou sem palavras, pois ele pensava que eu não sabia ir além de buongiorno .

Será que ele suspeitava que minha câmera, meus olhos e meu coração estavam cheios de memórias recém-colhidas dentro do que era, imagino, a propriedade privada do Parque Natural do Arquipélago de La Maddalena? Não sei, mas espero, para o bem dele, que ele tenha aplicado as instruções com aquele senso comum fatalista que constitui boa parte da sabedoria italiana: vamos afugentar os intrusos quando os virmos, se for esse o nosso trabalho, e quando não os virmos, eh! Bem, não somos pagos o suficiente para estar em pé de guerra dia e noite, somos?

FIM

 

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4 comentários

  1. Que emoção ler sobre esta peregrinação….Estive em Caprera em

  2. Que emoção ver esses lugares nesse estado novamente. Estive lá em 1972 como GO responsável pela manutenção das velas e, aliás, dei aulas para as crianças nos Optimists...

  3. Acabei de pisar na praia do clube em 17 de junho de 2022. Meus pais, que são fãs desde 1954 e me criaram em 1957 em Cefalù, me apresentaram ao August 66. Assim como vocês, seguranças na praia, foi impossível voltar. Uma desolação quando você se lembra de como era esse paraíso ♥️

  4. Que lembrança maravilhosa! Você me fez voltar 21 anos no tempo. Eu era o gerente de tráfego em Caprera em 2004. É sempre triste ver um resort do Club Med abandonado em um lugar tão magnífico.

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